sexta-feira, 18 de abril de 2008

Fantoches


O dia amanhecera mulambento, enquanto no céu nuvens formavam um desenho que acobertava a cidade agreste.
Rafael enchera-se de alegria mecânica, pois sabia que dentro de algumas horas um corpo regional acomodaria - se dentro do seu. As expectativas masturbavam - lhe com uma película finíssima a espera daquele momento tão desejoso.
A comilança haveria de ocorrer por volta das 19h30m, nesse despertar de anseios primitivos o relógio trabalhara numa desenvoltura de Chaplin. Anunciava – se 20h e nada do nordestino aparecer, quando às 20h10m no quase limiar do suicídio de Rafael. Ouve-se do portão um vociferar regional emitindo sons retalhados, e o quase suicídio desabrochara em botão de rosa.
Os dedos inertes, suores periclitantes, cabeça a mil e a genitália regozijando com o prenúncio da benfeitoria que lhe fariam.
Correu desesperadamente ao portão, sua avidez era narcótica. Situou os olhos no corpo utilitário supondo o estrago amoroso que aquela coisa provocaria em seu envoltório franzino.
Tempo não sobrou para a troca de palavras, estas eram dispensáveis. Naquele instante a missão mais importante do mundo era ter Lucas imiscuindo a sua integridade masculina. A natureza é envolvente: ela me enovela toda e é sexualmente viva, apenas isto: viva. Também eu estou truculentamente viva – e lambo o meu focinho como o tigre depois de ter devorado o veado.*
O corpo objeto começara a se despir dos panos que cobrem as nossas vergonhas, salientes coxas apolíneas estufaram de um short estampado, músculos pululavam como dois cangurus selvagens copulando na Austrália. Lucas era detentor de um membro animalescamente ornado por pêlos juvenis e grossos, à medida que Rafael ia sugando seu falo, sentia-se como se estivesse entrando numa floresta repleta de gnomos, fadas, feiticeiras, príncipes, princesas e lenhadores sorumbáticos.
Deitaram no assoalho gélido roçando de maneira crispada e exacerbada os órgãos que, tornavam-se mais rijos que lascas de estalactite. A cama os aguardava e para lá seguiram com propósitos fecais e necrófilos. Na cama as pessoas promovem catarses diabólicas. Um dentro do outro, um absorvendo a escuridão maquiavélica que o outro poderia oferecer. Operava-se uma síncope lânguida. Rafael estava a ponto de ser retalhado dentro da sua sodomia. Ao passo que Lucas, troglodita, mórbido e indivíduo objeto socava-lhe nas entranhas um pau que tinha o poder de espada mitológica. Prendera-o no vácuo de suas pernas de ébano, fazendo com que o garoto tétrico saboreasse o gosto amadurecido de seus testículos.
Eu quero que você me ame e fique eternamente me amando dentro de mim com sua carne e seu amor (...) infinitamente dentro de mim, me envolvendo, me decifrando.**
Aquelas almas de Deus doavam-se a um prazer sanguinolento, dois machos transgredindo as leis universais.
O clímax aproximou-se e de dentro daquele pequeno orifício emergia uma “piroca” que pingava cheia de esquizofrenia um licor branco, inodoro. Deixando os vestígios da marca daquele ato profano nos lençóis que guardavam o segredo de dois protagonistas de uma encenação execravelmente denominada de amor. E a este sentimento atrelou-se o horror da descoberta dos zumbis diante de sua pequenez como seres “coisificados” pela dolorida subversão de papéis no teatro de Zeus.

* Água Viva / Clarice Lispector - **José Vicente
Luciano Koppensteiner.

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