sexta-feira, 18 de abril de 2008

Necrófilo

À tarde nublada enlouquecia-o de tal forma que ele observava da janela do quarto andar e sentia se livre para pular. O pulo seria o modo mais salutar de entregar-se ao húmus. A libertação total, onde carne e alma se esfacelariam na amargueza satânica da Terra.
Socorre-me antes que eu descubra de vez que o meu destino final seja partir deste onírico medieval pra uma realidade lamaçal.
Feio ele não era, contudo, procurava dentro do mais subterrâneo de si uma explicação para tamanha solidão corpórea. E se remexesse um pouco era capaz de encontrar um “it” no meio de toda aquela terrificante individualização existencial. Mas ele não possuía um “it” seu ser era oco, negrume de petróleo. O mais horripilante de todos os vácuos, como se a resposta para aquilo que ele teimava em chamar de vida, estivesse aterrada há anos numa pré-história inventada por historiadores mentirosos. Via-se no espelho e procurava um significado plangente para o seu estar no cosmo. Seria talvez um erro do divino que o colocara no Universo por pura falta de opção, visto que lá nas profundezas do umbral os espaços estavam preenchidos.
Quais posições mediante a intimidade com a escatologia um homem deve tomar quando se vê ante ao desespero pleno? Essa era apenas uma entre tantas outras indagações que circundavam sua mente estraçalhada de idéias sombrias.
A tristeza performática, os “olhos de ressaca”, mas era ressaca de estar entre os vivos, porque ele já havia assumido o seu papel de necrofilizado. E como seria trepar com um cadáver? O Cazuza certa vez cantou em uma canção: “Só as mães são felizes”...algo do tipo, “você já tentou transar com um cadáver”..... Pois então, se alguém tentasse fuder com ele experimentaria tal situação. Se tu que me lês é fraco, pára por aqui e prossegue no teu caminho, se tu que me lês e diz: “cara isso está parecendo Augusto dos Anjos fazendo uma suruba com Machado de Assis, Caio Fernando Abreu e Franz Kafka, tendo como platéia Clarice Lispector e Virginia Woolf”. Pára a leitura, por favor, seus miolos talvez sejam plácidos demais para o escarro da agonia de um ser que está na corda bamba entre o sonho e a morte deste. No entanto, não é só de agonização de verme que o homem sem identidade sobrevive. Lembra que eu falei algo sobre experimentar comer um cadáver? Fui atrás dessa história e acabei por descobrir que o homem sem identidade (passarei a chamá-lo assim), colocou uma roupa, apesar da sua condição bacteriana ele possuía roupas e alguns trejeitos de flor murcha e saiu mundo a fora em busca de um outro sujeito que carregasse características semelhantes.
Chegou até a praia, estava obnubilar, contudo, corpos sibilantes caminhavam a beira mar, procurando cópulas sujas. Ele precisava, necessitava experimentar o sabor de um corpo com aura. Criou coragem e percorreu o infinito dos temores.
Sentou-se na areia barulhenta e observou de perto um rapaz que na indefinição da silhueta parecia um camaleão em forma humana, aproximou-se e quando menos espera estava lá o grande camaleão nu, de pau e ancas a mostra. Chegou mais perto, nada disse, tocou em sua perna, passeou a mão pelo órgão reprodutor e começou a sugá-lo, tomando de arrebato na boca, o gosto de um corpo com partículas retalhadas de grãos areníticos. O camaleão abriu-se todo, embora, estivesse encabulado e pediu que lhe chupasse o orifício do ânus, assim o fez: “ah como é lindo ver um macho em posição escancarada mostrando todas as suas delicadezas”. Mas isso era pouco, ele ansiava pela dor misturada ao prazer de ter um outro homem dentro de si. Lambeu ferozmente o camaleão enquanto este gozava e saiu à procura de mais carnificina. Foi quando, quase já tomado pela beleza das espumas do mar que enchiam a areia de uma espécie de esponja branca, bateu-se com um esquálido sujeito. Perguntou-lhe se este teria um isqueiro, o rapaz respondeu negativamente, todavia, questionou-lhe se só o isqueiro serviria. E ali mesmo, na areia inundada de marcas de pés incognoscíveis, transaram. O transeunte entrou dentro, do cadáver como se estivesse perfurando uma parede, sentiu aquela dor inicial e logo em seguida relaxou, de quatro, assistindo aos siris passarem e ouvindo os próprios gemidos de prazer. O outro corpo retirou-se de dentro dele e começou a jorrar esperma, gritando, também gemendo e se diluindo em sensações inomináveis.
Ficou mais um tempo ali sentado e pequenino, feliz por ter descoberto que apesar de tudo, no planeta ainda existem almas que avidamente comem detritos humanos.
Voltou para casa, tomou banho, sorriu mais um pouco, masturbou-se freneticamente, secou-se, aninhou-se na cama e adormeceu sem saber se o sono seria provisório ou eterno.
Luciano Koppensteiner

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